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Os Supridores: uma leitura necessária nos dias de hoje

Conheça "Os Supridores", o primeiro livro de José Falero. Uma obra que joga luz a temas sensíveis da sociedade contemporânea.

Fonte: Unsplash


Conheci a história de "Os Supridores" através de uma professora da faculdade, e confesso que ao ler a sinopse da obra, esperava mais uma produção que romantizasse a figura do bandido, sem dar muita vasão à carga social da narrativa por medo de não agradar leitores com opiniões mais "conservadoras", como a gente vê em muitas grandes produções como o sucesso enorme de "La Casa de Papel" no streaming. Porém, o que me surpreendeu for me deparar justamente com o oposto, uma narrativa que transborda ideologia, que bate de frente com o sistema vigente em nossa sociedade, como se olhasse no fundo dos olhos do leitor e dissesse "tu vai mesmo dizer que eu tô errado?".

Esse romance, publicado em 2020, foi a estréia do escritor José Falero, se passa nos anos de 2009 e 2010, trazendo vários elementos da nossa história contemporânea, carregada de desigualdades, preconceitos e imperfeições, e tem de plano de fundo a cidade de Porto Alegre, transitando entre as regiões centrais e de periferia da cidade, denunciando suas diferenças e escancarando as barreiras sociais que dividem essas duas partes da cidade em dois mundos completamente opostos, que estão constantemente em embate um com o outro.

Essa narrativa urbana acompanha a história de Pedro e Marques, dois trabalhadores de uma rede de supermercados, que estão cansados da sua condição de pobreza e das dificuldades que enfrentam em seu dia a dia. Esse incômodo dos dois dá origem a um plano para melhorar a vida deles, vender maconha. A partir daí, o leitor dá boas risadas e também reflete muito sobre as estruturas da nossa sociedade com esses personagens cômicos e geniais demais para trabalharem em um supermercado.

Essa história toda acompanha esses dois personagens principais:

Pedro, um rapaz muito esperto, cheio de ideias e amante de leitura. É sempre através dele que a gente se aprofunda mais no viés social dessa obra, e nos faz refletir sobre o papel que esses dois personagens representam não só dentro da narrativa, mas na nossa realidade. Eles existem principalmente para desafiar o leitor a estourar sua bolha e ouvir o outro lado da narrativa que estamos tão acostumados a ver no jornal.

O contraponto acontece com o personagem de Marques, esse é o mais esquentadinho da dupla, um cara passional e com um forte senso de proteção. É com ele, na verdade, que grande parte dos leitores se identifica mais, pois ele é o retrato perfeito do trabalhador que nasceu nesse sistema e, por mais que se sinta frustrado com ele, não enxerga nenhuma possibilidade de mudança, principalmente por nunca ter tido acesso a uma visão diferente da história, como grande parte da população.

Toda a narrativa acontece em terceira pessoa, e José Falero demonstra de uma forma genial a dicotomia entre a fala dos personagens, carregada de gírias e expressões comuns entre a população das regiões marginalizadas de Porto Alegre, e um narrador culto, onisciente, que fala de passado, presente e futuro com um vocabulário refinado e poético, unindo em um laço firme essas duas realidades, aproximando cultura, literatura, e conceitos complexos de Carl Marx aos nossos personagens, quebrando de vez aquele estereótipo de que essas populações não têm voz, opinião e cultura.

A gente se pega torcendo pra que esse esquema mirabolante dos dois dê certo, e se vê cada vez mais imerso na realidade deles, uma realidade de pessoas condicionadas a acreditarem que não merecem mais do que a vida que eles já têm, mas que se veem extremamente descontentes com ela, então é impossível não sentir na pele os calafrios quando o livro aborda com uma honestidade brutal temas como o aliciamento de jovens para o mundo do crime, e humaniza, não romantiza, esses personagens, faz com que a gente se pergunte quantas histórias como essa existem e não são contadas pelos jornais ou televisão, histórias de pessoas que merecem uma vida melhor, e que se veem em situações em que o único jeito de vencer o sistema é burlando as regras dele.

"Os Supridores" é uma obra que aborda questões de meritocracia, desumanização, exploração do trabalho, desafiando cada conceito desse nosso sistema capitalista de forma afiada, fazendo o leitor compreender aquela situação com a única saída desses personagens, sem deixar de mostrar o preço que eles pagam por isso.


Você já conhecia essa obra? Se não, ficou com vontade de conhecer?

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