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O vendedor de passados: Da Literatura ao Cinema

E se você pudesse alterar seu passado? Apagar todos os erros e se tornar alguém totalmente novo, você faria? Se você gostou dessa premissa, você precisa conhecer "O vendedor de Passados".

Fonte: Unsplash


O livro “O vendedor de passados”, de José Eduardo Agualusa, é uma obra que mistura realismo com fantasia, contando a história de um homem negro-albino, chamado Félix Ventura, que vende passados às pessoas ricas da Angola (local onde se passa a história), através da perspectiva de uma osga com a qual ele divide a casa.


É essa perspectiva de Eulálio (A osga) que narra a história, misturando as cenas que ele observa com o seu comportamento animal, as situações e interações entre os personagens com seus sonhos de vidas passadas, quando ainda era humano, que aproximam mais a história da fantasia, pois até mesmo a profissão incomum de Félix parece se encaixar naquela realidade, pois é através dela que o autor tece uma série de críticas à elite Angolana e seus conflitos, aos motivos que levam pessoas a quererem ter seus passados apagados e trocados por algum mais “bonito”, mostra uma crítica à uma sociedade de aparências, que tenta desesperadamente se livrar das suas más ações. Dentro do contexto da história do livro, muitos dos motivos que levam as pessoas a procurarem os serviços de Félix têm relação com os conflitos civis que ocorriam em Angola, e não é à toa que muitos dos personagens que aparecem ao longo da história são militares, guerrilheiros ou até fotógrafos de guerra.


Já a adaptação para o cinema, de Lula Buarque de Hollanda, roteirizada por Isabel Muniz e estrelada por Lázaro Ramos e Alinne Moraes, faz algumas modificações na história, o que de nenhuma forma torna a produção menos interessante.


A primeira coisa que é possível identificar é a redução drástica dos elementos “fantásticos” da narrativa. A osga Eulálio não aparece na adaptação, e sua posição de narradora é incorporada pelo próprio personagem Félix, interpretado por Lázaro Ramos. Essa mudança, na minha opinião, apesar de já distanciar bastante a história da obra original, foi muito bem-vinda, pois apesar do elemento fantástico funcionar muito bem dentro do universo literário criado por Agualusa, acredito que a presença de uma lagartixa feita em efeitos especiais, narrando os fatos que ocorrem na história, acabaria tirando o ar de mais seriedade e reflexão proposto, deixando a obra um pouco cômica e até imatura.


Outra coisa que muda drasticamente é a localização geográfica. O filme nos transporta de volta para o Brasil, modificando os dilemas dos clientes de Félix para se encaixarem no contexto brasileiro. Por isso, acho que a ideia de trazer elementos da ditadura argentina ao compor o passado de uma das personagens foi uma excelente forma de trazer de volta o viés crítico da obra sem distanciá-la dos elementos da realidade brasileira.


Além disso, na adaptação para o cinema, alguns personagens ficam de fora da história, o que é um recurso muito comum considerando que adaptações para a tela também têm que ter um cuidado com o tempo. Por isso, achei que a saída de juntar os personagens de José Buchmann e Ângela Lúcia, misturando suas histórias, motivações e passados, também com algumas características originais do longa na personagem Clara, interpretada por Alinne Moraes, foi muito inteligente, para poupar o tempo de tela que seria dividido entre esses dois personagens, mas sem perder a essência deles completamente.


Apesar de serem duas histórias completamente diferentes, é possível identificar, sim, que ambas tocam o leitor/telespectador da mesma forma, trazendo reflexões sobre o valor do passado, e como por mais atraente que seja a ideia de ter todos os seus erros apagados e colocar no lugar uma história perfeita, isso tem um preço, pois é muito difícil para alguém fingir ter sido algo que não foi durante muito tempo, e que ter um passado livre de erros não nos impede de cometer erros no presente ou futuro.

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